Nada a comemorar

O Detran do Distrito Federal anunciou as estatísticas do trânsito de 2013 como uma vitória. É o menor número de mortes desde 1995. Houve 375 mortes em desastres de trânsito em 2013, contra 417 em 2012. O diretor-geral do órgão disse que “estamos comemorando as vidas salvas no ano passado em relação a 2012”. Segundo a lógica desse raciocínio, foram salvas 42 vidas em 2013.

Porém, há um problema nessa forma de pensar. De outro ângulo teremos uma visão diferente. Na verdade foram 375 vidas perdidas. Partir de um patamar extremamente elevado e chamar qualquer redução de “vidas salvas” é inaceitável. O opróbrio foi apenas um pouco menor.

Sob qualquer ângulo que se avalie a mortandade no trânsito do Distrito Federal, a situação é ruim. Nos últimos 17 anos o número de mortes varia em torno de 440 e não existe qualquer movimento consistente de queda. Nem mesmo a recente redução das mortes. Atribuir a diminuição ao “arrocho na fiscalização, melhoria da sinalização e às multas mais pesadas da Lei Seca”, como fez o diretor do Detran, não passa de uma especulação simplória. Quantos motoristas beberam e dirigiram em 2012? E em 2013? Entre as vítimas, quantos tinham alcoolemia positiva nesses anos? Qual foi o impacto efetivo que teve a fiscalização em 2013? Quantos mudaram o comportamento depois do aumento do valor das multas? Mais: qual o impacto das ações dos órgãos de trânsito sobre a mortalidade em 2013? O Detran não tem resposta para nenhuma dessas questões. Apenas contou as vítimas.

Quando colocamos os dados do Distrito Federal em perspectiva, nossa situação fica ainda mais vergonhosa. Parece uma calamidade. Para citar apenas um exemplo, para chegar ao nível da Espanha, teríamos de reduzir 85% das mortes no trânsito.

O preocupante é que nada é feito para melhorar de forma duradoura o cenário. O Detran parece agir às cegas. Há algum programa de redução dos desastres de trânsito? Onde estão as pesquisas? Quantos laudos periciais foram estudados e utilizados para combater a violência viária? Quais os fatores mais frequentes na ocorrência desses eventos? Há algum estudo sobre os motociclistas? Há recursos, mas onde estão os milhões arrecadados com multas e que deveriam ir para segurança e educação de trânsito? Alguém viu alguma campanha do Detran promovendo comportamentos seguros no trânsito?

Precisamos mudar nossa forma de pensar e de agir. Os “acidentes de trânsito” não são frutos do acaso. Os acidentes não são acidentais. Existem fatores que precisam ser identificados e controlados para reduzir esses eventos.

É possível ter um trânsito seguro. Falta-nos ousadia para estabelecer objetivos ambiciosos. Falta-nos sonhos, como aquele do Coronel Renato Azevedo quando apresentou o programa de implantação do respeito à faixa de pedestres. Era impensável na época. Ainda vigia o antigo Código Nacional de Trânsito, de 1966. Como alguém poderia propor que os carros parassem para o pedestre passar? Não foram poucas as reações. Muita gente o chamou de louco, de irresponsável. “Em que país ele acha que estamos?”, “vai ser um morticínio!”, eram avaliações correntes. Por outro lado, Azevedo teve o apoio de pessoas que acreditaram que seria possível. Teve Luis Miura como parceiro. Os jornalistas Ismar Cardona, do Correio Braziliense, e Alexandre Garcia abraçaram o sonho. No primeiro ano do programa, o número de pedestres mortos no trânsito foi 40% menor. Foi um exemplo para o Brasil. Hoje, a faixa é um patrimônio de Brasília.

Poderíamos implantar aqui programas que deram certo alhures. O “Visão Zero”, por exemplo, é um programa de ações instituído na Suécia em 1997 que pretende zerar as mortes e os feridos graves no trânsito. Parte do princípio que as pessoas cometem erros no trânsito e é responsabilidade de todos, governo e comunidade, construir formas para reduzir suas consequências. Os resultados por lá são alvissareiros. Depois da implantação do programa, o país reduziu pela metade o número de mortes no trânsito, que já era exemplo para o mundo. E a evolução continua.

É possível diminuir consistentemente o número de mortos e de feridos. Não é apropriado festejar uma pequena melhora quando a situação permanece grave. Comemorar esses números indecentes é uma negligência com a gravidade da tragédia, e, sobretudo, é um desrespeito às famílias enlutadas. Não há o que comemorar.

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